sábado, 3 de abril de 2010

Um provável início...




Um provável início...



Acordei hoje com uma estranha inquietude. O tempo de repente ficou nublado esta manhã... Ao levantar-me, demorei mais que de costume porque havia qualquer dorzinha nova no meu peito. Pelo menos, nunca tinha querido constatá-la antes. Troquei de roupa com a urgência de fuga, escovei os dentes e sai em direção ao que me esperava. Na fria noite de ontem decidi me diagnosticar com um especialista, não que não soubesse faze-lo sozinha, mas... É que nessas ocasiões nunca acreditamos de fato em nossas intuições...

Pus-me a caminhar e em menos de cinco minutos estava ao meu local de destino. Não sei ao certo como cheguei. Se me perguntassem o caminho que fiz certamente não saberia dizer. Estava vazio. Apenas um relógio e eu enchíamos de vida a sala de espera. Sim. Havia uma estranha vida naquele relógio que se confrontava com a minha. Os sons dos ponteiros me falavam qualquer coisa que se traduziam em batidas... Pareciam-se muito com as que batiam no meu coração, talvez, estas também quisessem me dizer alguma coisa...

Só restava esperar. Foi o que eu fiz. Não sei, mas a julgar pelo tamanho da minha angústia, sinto que esperei meses naquela sala. Eu, e o relógio. Resolvi observar aquele lugar e sem nenhuma explicação, sob a mesinha da recepção uma caneta vermelha me chamou atenção. Pensei, pois: Nunca quererei ser uma caneta! Que ser humano quereria? Aquele objeto tão pequeno de uma hora a outra me causava uma irritante antipatia. Ela se parece com alguém e não me agrada essa comparação. Para que serve uma caneta senão para escrever as palavras de alguém? Ela diz tantas coisas sem dizer nenhuma delas... E... Se por algum acaso pudesse escrever as próprias palavras iria querer fazer? Nós nos acomodamos facilmente, acho que as canetas também... Depois disto não me lembro o que me levou a pensar em você...

Entre chegadas e saídas...



Entre chegadas e saídas...


Todos os dias, desde o início eu me dizia: Vai passar! Nem sequer me lembro mais qual foi este primeiro, só sei que foi deste que vieram todos os outros. Um dia era, no outro não mais! Noites perdidas por alguém que me perdeu. Foi tão rápida essa sua mudança que nem deu tempo de eu me avisar, e foram tão longas suas falas ocultas... Acho que começou com um Você não... Penso que foi. É... Certamente. Apenas acordei um dia e tudo havia mudado. Ignorei. “É um excesso de proteção” disse eu á mim. Vai passar.

Disse-lhe “oi” como sempre, e no momento que iria completar dizendo “como vai” percebi que a sua resposta havia sido um vazio. Olhou-me sem ver e respondeu á nada. Depois daí, o nada virou tudo, tudo que não era sim. Suas mãos agrediam-me quando passaram a não segurar mais nas minhas. Mesmo assim, lá vinha você, com uma nítida impaciência fazer o que ainda lhe era obrigação não sei por qual causa ou sentimento restante: Abraçar-me. Aqui ainda havia os abraços... Os mais distantes que já tive! Tentei correr para diminuir a distância, mas você voava na direção oposta. Repeti: é uma fase e a amizade deve ser respeitada. Vai passar...

Vez e outra ainda via uma tentativa de não fazer nada daquilo a mim, mas, por nenhum motivo [é o que prefiro acreditar], aquela impaciência tornou-se uma repulsa e com ela vieram às palavras... As palavras e um muro. Tentei pulá-lo da pior maneira possível, diminuindo-me, e é claro, que ele ficou maior do que era. Nesse momento, inconscientemente você teve certeza de que podia fazer comigo qualquer coisa, que ainda prevaleceria meu amor de amigo. Não o culpo por isso, quando sabemos do tamanho da tolerância de alguém tendemos a não nos preocupar mais.

Acho que foi meu contexto histórico. Sim, a culpa era minha! Não devia sofrer pelo que a vida momentaneamente estava me tirando. Segundo você. Isso deve ter-lhe cansado demais. Não sei o por quê, mas tudo o que eu não precisava era que você se cansasse. Não da forma que demonstrou o cansaço. Você não sabe o quanto podia ter me ajudado. Ou sabia e não quis. Nunca desejo receber de volta o que dou as pessoas, mas isso é mais do que posso aceitar. A culpa é minha. Deve ser. Devo entender que algo lhe impede de ser como antes. Eu me repetia: é somente uma questão de tempo. Espero que passe.

A distância tomou enormes proporções. As únicas coisas que passavam agora pelo muro eram pequenas e inofensivas letrinhas. Inofensivas até resolverem se juntar nas piores palavras, prontas para queimar, e a sua satisfação em vê-las me cortando foi bem mais doloroso e ainda é.
Você não é... ; Não vai... ; Não pode... ; Não sabe... ; Não é nada... ; Você ainda tem o outro pulso... Tudo isso com um sorriso entre os lábios de quem têm certeza que não faz bem. Fui afundando e você se prontificou a cavar o buraco. Gritei várias vezes em meus silêncios: Dá-me um tiro no peito para que eu não tenha que sentir tudo isso. Parte logo o coração que te dei ao invés de fincar-lhe agulhas quentes.

Passei a não entender o que tinha feito. “O que eu fiz?”; “O que eu falei?”... O encanto passou. Acho que você confundiu simpatia com amizade e ficou com vergonha de me contar. Sei que sofro por esquecer que nem todos amam como eu. Não tratam de coisas com a importância que eu acredito que tenham que ter. E nem devem. Neste sentido posso dizer que a culpa é realmente minha. Não cobro esta reciprocidade, mas o amor próprio um dia se manifesta. De oi amiga para ô menina. Ainda sim o meu amor próprio queria me convencer de que eu é que dramatizo demais. “Não há nada de errado, você está exagerando”. Não, a culpa não é minha. Desesperei e repetia: Estou mal com isso tudo. Tem que passar...


Te amava antes de você machucar -você me disse- Você é boba -repetiu inúmeras vezes- Professorinha como a sua mãe -a pior de todas pra mim. Não a culpa não é minha! Tentei pular o muro, escalar. Cortei-me, rasguei-me, cai, suei, chorei. Nada adiantou, ele cresceu. A repulsa ficou, permaneceu, permanece. Repeti a mim: “Não vai passar... O que faço agora?”. É triste ver você partir sem remorsos. Queria pelo menos a chance de entender tudo isso, e lhe contar o que estou sentindo, mas você me negou. Nada posso fazer a não ser olhar a distância se aumentando cada dia mais.

Um provável fim...



Um provável fim...


De súbito meus pensamentos foram cortados pelo chamado que vinha do consultório. A garganta secou. Levantei-me e fui em direção aquela pequena salinha. Olhei novamente para a caneta antes de entrar. Ela parecia mais escura daquele ângulo, talvez fosse preta... Entrei. Sentei. Respirei fundo e então tomei coragem para perguntar ao Doutor o que naturalmente já sabia há tempos: “O que vai acontecer?”. Com a calma e a frieza natural da profissão respondeu-me sem delongas: Você vai esquecer! Vai esquecer tudo daqui um tempo. Um belo dia acordará sem se lembrar de absolutamente nada do que viveu até agora. Minhas pupilas congelaram, o ar me faltou e a minha mente soava algo como um: “Você sempre soube, porque o espanto? Não é a primeira vez...”. Houve uma tentativa de consolo do médico à minha pessoa- uma espécie de compaixão profissional acredito eu- Ele disse: Pense pelo lado bom. Não sofrerá mais, nem mesmo saberá que sofreu por tudo isso um dia, sequer se lembrará que esteve aqui.

Sai. Meus pés me guiaram para algum lugar que não sei dizer, apenas via o corredor do consultório se comprimindo contra mim. Quase não passei por ele. Sentei-me em algo como um banco e pus-me a chorar. Um vento fazia questão de esfriar as quentes lágrimas que me saiam dos olhos para me lembrar que estavam ali em meu rosto. Sofria agora por saber que não mais sofreria. Isso significaria esquecer sem nenhum remorso que um dia fui sua amiga. Esqueceria de tudo sem sofrimento ou dor, sem vestígios de lembrança. Não passaria de estranho colega de classe. Nada mais. Levantei-me, desviei das aves que ali imploravam por migalhas de pão e comecei a andar de volta para a casa.

No caminho pensava naquilo tudo. Percebi que sofria por uma coisa que não me lembraria. Era como matar o que se viveu em vida. “Daqui um tempo nem mesmo saberei que matei algo em mim”. Respirei fundo e aceitei sofrendo. Decidi no momento em que encontrei as chaves no bolso da calça que sofreria até o último dia. Não me lembraria disso mesmo... Com dor tento aproveitar todos os dias enquanto ainda me lembro, mas desejo que o dia do esquecimento chegue logo e leve você, porque sofrer não é algo que esteja na minha lista de coisas legais a se sentir. Você, a situação que se passou e a que se passa me obrigam a isso, não é que eu queira, mas as coisas tem um limite a ser respeitado e os nossos foram totalmente burlados. Repetia a mim: Vai passar! Vai passar. Vai passar... Espero que passe. Tem que passar. Não vai passar. Porque ainda me dói cruzar os corredores. Está sobrando o medo de te encontrar, já que sei que sairei machucada deste encontro.

Poderia até mesmo desejar que uma cicatriz ficasse, mas como sei, nem isso sobrará e é uma pena. Agora só me pego pensando no dia em que, sem nenhuma dor, passarei por você e direi: “oi” sem a menor necessidade de perguntar “como vai você”.