
É dor.
Decididamente é.
E começa pelos olhos.
Sem aviso eles crescem e se dilatam como um balão que incha ao receber água, ou como uma flor, que desabrocha pela manhã. A diferença é que eles ardem. Mesmo quando piscam... Quase ao mesmo tempo, um peso enorme age por dentro, especialmente no estômago, que parece afundar e se afastar da pele no mesmo instante.
É como se uma esfera de ar estivesse entre eles e fosse crescendo e crescendo na tentativa desesperada de separar os dois. Um grande vazio vai se espalhando pelo resto das vísceras.
A pele perde a cor.
Toda sua extensão é capaz de senti-la despedaçando e escorrendo pelos ossos. É como se você tivesse que sair em um dia chuvoso, mas fosse feito de açúcar. Indefeso, e de pouquinho em pouquinho, todo seu corpo vai se diluindo e sendo levado pelas gotas de chuva, que agora doces, terminam de fluir para o chão úmido. Imediatamente seus ouvidos escutam o som límpido dos batimentos do coração. Ele bate e ressoa tão intensamente que se assemelha á uma enorme onda, que carrega tudo que atreve a passar ao seu redor.
Está tão vivo, que por um instante quase se pode medir com precisão suas dimensões.
Não o peso...
Este é impossível de medir. Ao mesmo tempo em que parece pesar toneladas, também parece ser leve o bastante para sair do corpo e bater do lado de fora. Aos poucos você vai perdendo os sentidos. Toda a sua carne se comprime e se expande numa freqüência louca e inconstante, que vai fazendo com que o frio e a sensação de dormência te tomem conta.
Angústia é seu nome nesse momento.
O sangue circula pelo corpo como alguém que corre incessantemente para salvar a vida. A pressão causada nas veias é igual à de uma correnteza contra um único homem.
Inevitavelmente, uma súbita inspirada de ar surge na tentativa em vão de reconcertar o corpo que se despedaça, e um terremoto de vibrações te invade fazendo com que os seus movimentos não sejam mais seus. A mente tenta de todas as formas se despertar do que parece ser um pesadelo sem fim. Conspira sobre tudo o que pode na esperança de devolver a paz e a estabilidade ao corpo.
A verdade nunca foi tão traiçoeira.
Quando seu corpo finalmente te obriga a aceitar,
É onde com certeza, a dor começa.
O silêncio grita.
Como uma mão que possui garras, um vazio entra pelo umbigo e cria um imenso buraco negro que vai te engolindo por dentro. O coração é o primeiro que vai. E ele arde por isso.
Essa mão parece esticar o que ainda resta de você e suga tudo para esse profundo infinito.
Quando não há mais o que puxar de dentro,
Tudo começa a ser puxado de fora.
Você vai diminuindo e se contraindo como um vidro que perde a forma quando queima.
No momento em que só se sente o peso brutal de sua cabeça sendo conduzida lentamente para este interminável abismo, um grito desesperador parece querer sair como um pedido de socorro para quem quer que seja...
Mas nada
Sai pela boca.
Ela abre o suficiente para deixar escapar todos os gritos de sofrimento do mundo, mas é incapaz de fazê-lo. O mundo agora faz parte do seu ser como nunca antes fizera.
Você olha, mas não vê, escuta, mas não ouve, nada além de dor acontece. Seu corpo flutua em meio às suas próprias angústias e incredibilidades. O mundo gira contigo e a dor faz de você um brinquedo.
Quando sua boca já não aquenta mais se expandir e o ar já não pertence a você, este volta com força total para seus pulmões. Quem morre passa a ficar tão vivo dentro de ti que é como se houvesse duas almas para um só corpo.
Você se ergue,
E ao invés de se sentir melhor,
Todo o seu desejo é ser sugado de novo.
Aquela mão surge então em sua garganta. Ela a aperta como uma argila que foge pelos dedos quando esmagada.
ES- MA- GA- DA.
Talvez seja essa a palavra que defina. Um nó parece subir pelo que sobrou da garganta e você percebe que não pode contê-lo. De repente, o nó se desata em formato de lágrima e escorre cuidadosamente sobre o rosto que lamenta. Esta lágrima é quente e espessa. Rola em direção ao queixo e por cada poro que passa, deixa um pouco do que carrega. Quando por acaso chega à boca, você reconhece imediatamente o quão cheia de sentimento está esse fruto da dor.
Sente-se por fim,
O gosto de algo que todos temem um dia sentir.
É gosto de morte que escorre pela face e
Arde feito sal em uma ferida aberta.
Depois da primeira, mil outras lágrimas brotam de ti. Quando chega o momento em que sua carne se esgota, e um ar carregado de aceitação começa a te preencher,
Você para.
Finge se recompor e finge se conformar. Por fora a aparência de equilíbrio esconde o desespero que ainda te fere por dentro. De um modo ou outro, você engole secamente o fato de que não há mais nada a fazer, e de que jamais haverá. Existir nesse momento por si só é uma dor. Então o corpo volta a responder, mas continua explodindo internamente.
Tudo em você consegue mentir, com exceção dos olhos. Estes permanecem perdidos no horizonte, e se encontram longe de tudo que é seu.
E ali eles permanecem... Até que a vontade de dormir venha como um prêmio e os faça fechar para que em um sono sem descanso você penetre...
...E depois desperte.
