
Começo dizendo que não acredito em fórmulas e conceitos prontos, que não acredito em uma resposta universal para tal questão e que nem mesmo acredito que esta tenha que ter mesmo uma resposta, por isso, tudo que aqui for considerado é única e exclusivamente a minha opinião. Considero, portanto, que a principal questão não está em o que faz um ator ser ator, e sim no que faz um artista ser artista.
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Como nós atores podemos nos tornar artistas e levar a nossa arte ao propósito a que foi colocada? Isso é uma pergunta que gera milhões de questões mais nenhuma resposta fechada, até mesmo porque, a própria arte perderia um pouco de sua beleza se fosse rotulada. Ainda assim a arte, para que seja viva, para que seja crível a quem aprecia, precisa ser viva e crível para quem a faz, por isso, existe a necessidade de nos apoiamos em algumas teorias e reflexões para se fazer compreender e sentir em nós mesmos essa arte, assim como em todas as questões humanas.
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Não acredito que conceituar as coisas e defini-las seja ruim, no sentido de que, se decidimos utilizar como forma de comunicação a escrita, a fala, temos que obrigatoriamente nomear o que vemos, o que sentimos e o que vivemos para que esta comunicação seja possível. Emitimos códigos, o que não quer dizer que temos que taxar e rotular tudo de forma genérica. Nomear não significa reduzir a beleza e a profundidade das coisas, apenas cabe a pessoa que as diz saber e ter consciência de que não precisa ser de fato vazio ou raso o que se pronuncia, o que se conceitua. A arte da reflexão está em saber considerar e adquirir posturas diante das situações, pois, ser contrário as rotulações também te rotula em algum lugar.
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Acredito fervorosamente que a arte mora nas diferenças, que as possibilidades moram nas diferenças e de pouco, (repito pouco e não nada) adianta nos atentarmos ás semelhanças que existem nas coisas se não sabemos tirar delas nada além das próprias semelhanças e não consideramos a beleza de existir nas diferenças. Claro que é importante chamar a atenção para o que no fim das contas se resume em igualdade para aqueles que insistem em negar as coisas apenas pelas suas diversidades. Ser diferente não significa negar o que não é igual. No teatro e na teoria de uma forma geral, tendemos a negar as coisas quando elas se tornam diferentes quando na verdade deveríamos pensar que tudo não passa de “mais um ponto de vista”. A tarefa é sempre acrescer e não diminuir as possibilidades. A beleza da arte está na diferença. É exatamente porque existem diferentes técnicas de pintura, que um Portinari será sempre um Portinari e um Picasso será sempre um Picasso, mesmo que estes compartilhem das mesmas telas e tintas. É exatamente porque defino teatro e dança como duas coisas diferentes que tenho a possibilidade de fazer delas uma outra coisa, de juntar, de separar, de criar uma nova coisa, e nem por isso, estou considerando que o teatro e dança são de acordo a alguém, ou a um livro, ou a um conceito generalizado. E em momento preocupo-me em definir e nomear essas diferenças preocupo-me apenas em senti-las. Nós somos capazes de sentir quando as coisas são diferentes, simplesmente sentimos, e algo tão subjetivo como sentir se torna muito concreto e às vezes até tangível.
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A limitação ao estabelecer diferenças só existe para quem quer que exista. É como se ao invés de reter-me ao fato de que tudo é no fim cor, eu me preocupasse mais em pensar que o amarelo é o amarelo e o azul é o azul, e que o verde, o verde é o que eu posso fazer quando misturo essas duas cores. Como se o verde só fosse possível porque existe o azul e o amarelo. Pensar assim, considerar a beleza do azul e do amarelo, não exclui suas possibilidades dentro de suas definições/diferenças, pois, existem infinitos tons de azul e igualmente, infinitos tons de amarelo. Da mesma forma vejo a arte, que para mim, seria a possibilidade de fazer o verde, de ser o verde em seus infinitos tons.
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Ninguém precisa se limitar aos conceitos que não são seus. Os livros estão ai para mostrar-nos os pontos de vistas das pessoas que os escreveram para que nós possamos ter mais clareza para criar o nosso próprio ponto de vista. Concordo que no mundo onde vivemos somos obrigados a tomar como verdade algumas coisas que nem ao menos são nossas, mas, isso não nos impede que por detrás da sociedade e da burocracia, realmente tomemos como base aquilo que de fato nos importa de tudo isso que recebemos como bombas de informações e verdades absolutas.
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A arte consiste em aceitar e ser aceito. A arte consiste em técnica, seja para o que for à prosposta da sua arte, e quando digo técnica, digo qualquer coisa que sirva como tal para quem age, pois a arte em minha opinião é sempre uma ação. Nada e nem ninguém me impede de usar a matemática para fazer chegar à forma de arte a que me propus a fazer, que no meu caso, é atuar. Posso atuar de sapatilhas de ponta, posso atuar usando a física. Nada me impede de fazer isso, no entanto, as pessoas costumam se impedir e por a culpa nos livros e no sistema quando na verdade, eles nunca obrigaram ninguém a realmente fazer o que deseja que não seja de coração, eles dificultam, incomodam, mas podem ser burlados no bom sentido. Normalmente, e não querendo rotular nem prender nada a uma regra, as pessoas, tomam como teoria de vida a teoria de alguém e esquecem-se de fazerem as próprias. Toda regra tem sua exceção e isso para mim esclarece tudo e acaba com qualquer certeza que se tenha tão fechada sobre a vida.
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Ser artista é utilizar o que quer que seja a favor da sua arte, e quando isso acontece, é inegável a “justeza” de seus atos. A consciência faz o artista. A reflexão faz o artista. A preocupação e o empenho em fazer o melhor perante aquilo que nós mesmos e somente nós mesmos escolhemos fazer caracteriza a natureza do artista. Um artista compartilha sua arte, e um bom artista, se importa com a forma que essa arte vai chegar ao próximo. A arte foi feita para ser apreciada, e para isso há de ser considerar o máximo de empenho em fornecer essa apreciação. Digo isso porque a arte não se resume em fazer apenas o que se tem vontade e nada mais. Ser artista é uma das coisas mais complicadas e paradoxais e difíceis em todas as suas derivações de se fazer. Arte significa respeito.
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Entregar-se ao desconhecido é preciso uma coragem extraordinariamente vital para que a arte aconteça. Ser honesto consigo mesmo e com quem divide contigo, a sua humilde e calorosa arte. É reconhecer e refletir. Refletir não porque a sociedade impõe, mas porque a sua natureza de ser humano lhe permite. Ser artista é um exercício que se trabalha em si mesmo. É a aceitação do eu e do eu no mundo através de uma ação que é capaz de transformar, não só a você mesmo, mas todo o resto, em uma proporção assustadoramente possível e necessária para que o mundo sobreviva. O mundo precisa da humildade do artista, da nobreza em ser humilde que a arte possui. Precisa do calor da arte, precisa do amor da arte, precisa de respirar os gritos de socorro e de alegria que a arte traduz do próprio mundo, dos próprios eus que habitam a terra.
Arte, ser artista é ouvir, ver e sentir o que a vida nos dá. É contar para o mundo o que vemos dele. Contar o nosso ponto de vista. Contar o que somos. E se alguém desenvolveu técnicas para alcançar a utopia dessas reflexões, que bom! Pois serão nelas que me apoiarei, serão delas que extrairei o que pode viver em mim e na minha arte. Serão delas que virão os meus melhores eus. E não me importa que sejam da dança, do teatro, da biologia, da filosofia, me importa que elas sejam, que elas desesperadamente sejam uma urgência para mim mesma e conseqüentemente para a arte que escolhi viver e fazer, para a arte que sou, pelo que sou através da arte
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